Compreendendo “Mal” e “Mau” em Português, Inglês e Hebraico
Para entender corretamente Isaías 45:7 e o que significa Deus “criar o mal”, é essencial compreender as diferenças linguísticas e teológicas entre os termos usados nas traduções — especialmente nas línguas portuguesa, inglesa e hebraica.
Em Português:
- Mau (com “u”) é adjetivo, oposto de bom — descreve conduta, caráter ou comportamento reprovável.
Exemplo: “Um homem mau cometeu um crime.” - Mal (com “l”) é substantivo ou advérbio, oposto de bem — refere-se a calamidade, sofrimento, enfermidade ou injustiça.
Exemplo: “O mal se espalhou pela terra.”
Em Inglês:
O idioma não separa esses conceitos com a mesma clareza. As palavras mais comuns são:
- Bad = mau, no sentido de errado ou defeituoso (mais superficial).
- Evil = mal, com conotação mais espiritual ou ética, geralmente equivalente a injustiça ou perversidade.
Essa ambiguidade em inglês pode gerar interpretações equivocadas de passagens como Isaías 45:7.
Em Hebraico:
A palavra usada para “mal” em Isaías 45:7 é רַע (ra‘). Seu significado depende do contexto:
- רַע מוסרי (ra‘) = injustiça, perversidade, rebelião.
- רָעָה טבעית (ra‘ah) = calamidade, desastre, adversidade natural ou histórica.
Logo, nem todo “ra‘” na Bíblia refere-se à injustiça. Muitas vezes, a palavra representa juízos, guerras, desastres ou sofrimento — instrumentos de correção e não transgressões morais.
Isaías 45:7 — Uma Declaração de Soberania, Não de Maldade
“Eu formo a luz, e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.”
— Isaías 45:7 (ACF)
À primeira vista, essa passagem parece afirmar que Deus criou o mal no sentido de injustiça. No entanto, como vimos, o termo hebraico utilizado refere-se a calamidade (adversidade), não à injustiça.
Isaías 45:7 é, portanto, uma declaração de soberania: Deus é o Senhor absoluto, inclusive sobre eventos adversos — guerras, catástrofes, perdas — que ocorrem como instrumentos de correção e juízo.
Justiça Universal e Legalidades Espirituais
Deus é justo por natureza e opera segundo princípios eternos de justiça. Ele não é autor da injustiça, mas regula as consequências segundo os princípios de justiça inscritos na própria estrutura do universo, sejam eles espirituais, morais ou naturais.
Esses princípios incluem legalidades que surgem por meio da liberdade dada aos seres criados:
- Adão, ao desobedecer e se submeter ao império das trevas, deu ao diabo parte da autoridade que Deus havia confiado a ele.
Se o domínio sobre a Terra foi entregue a Adão, e Adão se submeteu ao inimigo, então o império passou a ter parte no domínio sobre o mundo. - Entre homens, legalidades também existem. Quando um povo escolhe líderes injustos, estes podem trazer calamidade sobre a nação. Deus permite que o mal ocorra dentro dessas legalidades, pois a justiça exige que a liberdade humana seja respeitada.
- Entre indivíduos, uma injustiça cometida — como uma mentira que causa prejuízo — pode gerar não só consequências legais, mas também espirituais. A vítima pode fazer um clamor, um apelo ou até um conjuramento, que ganha força e validade diante de Deus se estiver alinhado à justiça. Deus julga essas situações com base no mérito da verdade e na estrutura de legalidade do universo.
Luz e Trevas — Deus é o Senhor de Ambas
“Formo a luz e crio as trevas…” — Na linguagem bíblica, luz representa revelação, comunhão, vida e direção. Trevas, por sua vez, representam ocultamento, silêncio divino, abandono e juízo.
Deus não criou a treva como maldade essencial. Ele retira Sua luz, e onde não há luz, prevalece a escuridão. Ele age retirando Sua presença, permitindo que os efeitos do afastamento da justiça se manifestem.
A Injustiça Não Vem de Deus
A injustiça nasceu nas criaturas que rejeitaram a justiça divina. Ela não veio do Criador, mas da escolha dos que, sendo livres, se rebelaram.
Se Deus tivesse criado homens e anjos sem liberdade, a acusação do diabo contra Ele poderia fazer sentido — de que tudo está predeterminado e que não há verdadeira justiça. Mas havendo liberdade, a responsabilidade é do que escolhe.
Portanto, Isaías 45:7 não contradiz a justiça divina. Afirma apenas que Deus governa todas as coisas, inclusive os eventos difíceis. Ele não criou a injustiça, mas usa até as calamidades como instrumentos de justiça.
Dizer que Deus criou o “mal”, no sentido de injustiça, é uma falha tanto teológica quanto linguística. O texto de Isaías 45:7, corretamente compreendido, declara que:
- Deus é o Senhor absoluto da história;
- Ele usa a adversidade como instrumento de juízo;
- Ele respeita as legalidades estabelecidas pela liberdade humana e espiritual;
- Ele nunca é autor da injustiça, mas é o juiz soberano que faz tudo conforme a justiça.
A injustiça nasceu no coração do acusador, o pai da mentira — não no coração de Deus.